Monday, March 7, 2011

Mega-projeto, Mega-riscos

DADOS DE REFERÊNCIA
Autor: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. International Rivers, dez-2010.
Título: Mega-projeto, Mega-riscos: análise de riscos para investidores no Complexo Hidrelétrico Belo Monte
Sítio da internet : https://docs.google.com/leaf?id=0B8wNLFC5yN3lODZlMDliMWMtZThlYS00ODk2LWFhZTctYzVjYmM1ODhlMjhl&sort=name&layout=list&num=50 - Acesso em: 1/3/2011

O estudo recentemente lançado pela organização Amigos da Terra sobre o Complexo Hidrelétrico Belo Monte apresenta uma visão integrada sobre os riscos financeiros, legais e de reputação que cercam aquele empreendimento. Uma farta documentação, que se acumula desde a década de 70, quando se aventou o aproveitamento hidrelétrico do Rio Xingu, até o final de 2010, foi analisada em detalhe pelos autores, com foco nos riscos financeiros e suas relações com os demais riscos, inclusive ampliando os conceitos de risco e incluindo aqueles que foram sistematicamente menosprezados nos estudos de viabilidade econômica e de impacto ambiental.

O estudo é estruturado em oito capítulos, que partem da contextualização física e ambiental do empreendimento para, em seguida, desenvolverem o modelo de financiamento; os fatores de risco financeiro; as deficiências nos processos de comprovação de viabilidade econômica, social e ambiental do empreendimento; os riscos de construção e de operação e os riscos jurídicos e de reputação para investidores públicos e privados. Após essa análise meticulosa são apresentadas as conclusões referentes ao Complexo Belo Monte e mega-empreendimentos semelhantes. Ao final, o estudo apresenta anexos com informações específicas sobre a atual composição da SPE Norte Energia e ações civis públicas (ACPs) pendentes na Justiça Federal.

Os autores discorrem sobre uma extensa lista de erros, omissões e desvios cometidos na formulação do projeto, desde a sua concepção, os estudos preliminares e as tomadas de decisão, apontando a desconsideração de aspectos legais, bem como a violação dos direitos indígenas e ribeirinhos, e as vulnerabilidades sociais, ambientais e econômicas.

No Brasil, os mega-projetos têm sido utilizados como uma espécie de símbolo para marcar os feitos da administração pública. Para isto, passa-se de roldão sobre todas as considerações de ordem legal, política e ambiental, de maneira que o erário público e as populações atingidas pagam os custos gerados. Contra este empreendimento gigantesco – o Complexo Belo Monte – não somente as vozes de diversos segmentos sociais têm se levantado, mas também estudos sérios apontam sua inviabilidade técnica-operacional, econômica, financeira e ambiental.

Ao lado de certezas como a baixa capacidade de geração de energia elétrica em função da capacidade instalada, da geração de impactos irreversíveis nas condições sócio-ambientais da região, acumulam-se incertezas como a falta de recursos do empreendedor (Consórcio Norte Energia) para cumprir as condicionantes que devem antecipar a concessão da Licença de Instalação para Belo Monte. Acresce-se o fato de que o EIA Belo Monte não contempla um estudo de impacto ambiental que trate do componente humano, o que entra em desacordo com a Resolução n.º 1 do Conama.

Ao detalhar os riscos financeiros do empreendimento, os autores apontam como elevados os riscos de mercado, pois haveria fortes sinais de que a classificação de risco de crédito seja muito alta; que haveria risco no mercado de títulos, implicando que as empresas brasileiras teriam custos mais altos para captação de recursos; risco de que os valores das commodities sejam alterados, o que afetaria as cadeias produtivas ligadas à mineração, por exemplo; riscos derivados das incertezas sobre os verdadeiros custos de Belo Monte; e riscos de estruturação pela insuficiência de garantias de seguradoras ao projeto. Além desses, apontam a existência de riscos de cliente, advindos da possibilidade dos preços médios da energia gerada não serem competitivos no mercado.

Os riscos jurídicos e de reputação do empreendimento já estão se consumando, com a interposição de Ações Civis Públicas, baseadas na infração dos princípios da moralidade e da motivação dos atos e decisões administrativas no processo de licenciamento ambiental, bem como a violação dos direitos dos indígenas. A contestação a Belo Monte tem ocorrido a nível interno e internacional, com o posicionamento contrário de personalidades e instituições de grande impacto na mídia. Cria-se, assim, um enorme risco de reputação. Ademais, antevê-se que um sem número de outras ações, imprescritíveis porque ofendem o direito à vida, podem ainda ser ajuizadas, gerando custos inesperados aos investidores.

A sociedade brasileira, quando no enfrentamento a mega-projetos de alto custo e de baixo benefício social, como este em questão, frequentemente tem empunhado a bandeira da ecologia, que é desconsiderada pelos tomadores de decisão, quando por traz dos empreendimentos estão poderosos industriais, proprietários de terra ou construtoras, com forte ‘lobby’ em todas as instâncias do poder. Este estudo, embora utilizando o contexto sócio-ambiental do projeto, focaliza nos riscos financeiros, os quais atingem diretamente os investidores. Esta é, no meu entender, a sua maior relevância, pois estampa, com argumentação clara e dados seguros, a inviabilidade econômica do empreendimento.

Porém, há de se reconhecer o poder do Estado e dos interesses que o controlam. Eventuais riscos e prejuízos serão assumidos pelo Tesouro Nacional, a sociedade, como um todo, e os diretamente atingidos, de modo particular. O Estado, enquanto mostra uma face preocupada com os interesses da Nação, cuida dos seus próprios interesses – a geração de recursos para manter a enorme máquina estatal... e a máquina estatal para impor os interesses de quem a controla.

Autor da Resenha: Márcio José dos Santos

8 comments:

  1. Prezados colegas, segue minha contribuição.
    O relatório em questão apresenta de forma muito objetiva o oposto de como deve ser realizado um licenciamento ambiental, especialmente de uma atividade tão vultuosa quanto a construção do complexo de Belo Monte.

    Afigura-se o exclusivo interesse político partidário, em detrimento a todos os princípios que regulam o Estado Democrático de Direito.

    Percebe-se a afronta a Princípios basilares do Direito Ambiental e Constitucional, como o da Precaução e Prevenção, Princípio Democrático e da Participação, Princípio da Legalidade, Princípios da Moralidade e Razoabilidade, Dignidade da Pessoa Humana, Moralidade Administrativa, Responsabilidade Fiscal e responsabilidade técnica na análise dos estudos apresentados, que não verificaram aspectos como geologia, topografia, engenharia e instabilidade, ferindo regras básicas da Avaliação Ambiental e de Riscos.

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  2. Minha maior crítica ao estudo é que em nenhum momento procurou-se comparar os riscos desse projeto com o de outros projetos alternativos. Todo projeto de infraestrutura possui riscos econômicos, financeiros, jurídicos, sociais e ambientais. Se Belo Monte não for construída, algo deve ser feito em seu lugar, o que também implica em riscos. Digamos que o governo decidisse, por exemplo, construir uma usina eólica ou solar com a mesma capacidade média de geração de energia de Belo Monte (5,3 GW médios). Os riscos dessa outra opção não poderiam ser maiores que o riscos de Belo Monte? E as outras opções? No lugar de Belo Monte, podemos construir outra UHE em outro lugar, ou uma termelétrica, uma nuclear, ou então o governo pode taxar propositalmente o preço da energia para que o consumo de eletricidade seja reduzido. Quais os riscos dessas opções? São menores ou maiores que os riscos de Belo Monte?

    Realmente, há baixa capacidade de geração em função da capacidade instalada. Isso é chamado de fator de capacidade (geração média em relação a capacidade total). Em Belo Monte é cerca de 45%. No entanto, os mesmos autores do estudo que apontam esse problema defendem fontes de energia com fatores de capacidade ainda mais baixos, como eólica (30-40%) e solar (10-15%). Além disso, Belo Monte é assim porque o projeto foi adaptado para atender a pressões dos opositores. O projeto antigo previa um reservatório para regularizar a vazão do Rio Xingu e otimizar a geração ao longo do ano. Mas o projeto atual é a fio d'água justamente para minimizar o impacto ambiental e reduzir a resistência de movimentos e ONGs. Ressalto também que, mesmo só considerando a energia firme, Belo Monte continua sendo a maior UHE do Brasil e a 3.a maior do mundo, pois sua energia firme (5,3 GW) será maior que a de Tucuruí (4,5 GW), só ficando atrás de Itaipu (binacional) e Três Gargantas (China).

    Creio que os impactos positivos nas condições sócio-ambientais da região são bem maiores que os negativos. Haveria realmente falta de recursos da empresa para cumprir as condicionantes que devem antecipar a LI? Não sei responder, eu teria que conhecer melhor as condições finaceiras e o fluxo de caixa do empreendedor para opinar. Também é dito que o EIA não contempla o "componente humano". Não sei se entendi essa afirmação, mas lembro que na documentação de licenciamento há pareceres da Funai e outros órgãos, o que não deixa de ser um componente humano. Para opinar melhor eu teria que dar uma olhada no EIA. Mas, em contraposição às acusações de que o EIA estaria incompleto, vale citar que os próprios técnicos do Ibama afirmaram em parecer que o EIA de belo Monte é o mais completo e abrangente já feito no país.

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  3. (continuação)

    Quanto aos riscos financeiros apontados (de mercado, de crédito, de títulos, de variação nos preços das commodities, de incertezas sobre custos do projeto, de insuficiência de garantias de seguradoras, do preço da energia gerada não ser competitivo), creio que todos eles foram contabilizados pelos empreendedores no momento de bidar no leilão. O projeto tem participação estatal, que reduz riscos econômicos e finaceiros. Nos países desenvolvidos (OCDE, por exemplo) é assim que funciona. Nos EUA e Europa quando obras estruturantes e de integração nacional não despertam interesse suficiente da iniciativa privada, são finaciadas ou tocadas pelo Estado, ou iniciativas mistas público-privadas. Nos EUA, um país com forte tradição liberal e de incentivo à inciativa privada, a maioria da hidrelétricas é estatal.

    Quanto aos riscos jurídicos e de reputação, percebo um fato interessante: quem alerta para a existência desses riscos (ações civis públicas, contestação nacional e internacional, etc.) são justamente os mesmos que geram os riscos: ONGs e MPF. É aquela história: tostines é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?

    Os últimos parágrafos perecem refletir a impressão do Márcio sobre o estudo, com a qual discordo em alguns pontos. Acho que haverá uma grande benefício social gerado por Belo Monte, pois isso é o que vejo acontecer com outras UHEs. Poderosos industriais, proprietários de terra, construtoras, lobbies, poder do Estado e interesses existem para qualquer opção energética. Veja-se por exemplo o forte lobby da indústria eólica, a única que conseguiu até um leilão exclusivo. Também não vejo como algum prejuízo poderia ser assumido pelo Tesouro Nacional, já que o empreendedor vai comercializar a energia como produtor independente.

    Para finalizar, sugiro a todos que comparem essas afirmações do estudo das ONGs com a documentação do licenciamento disponível no site do Ibama:

    http://siscom.ibama.gov.br/licenciamento_ambiental/UHE%20PCH/Belo%20Monte/

    Abraço a todos!
    Fábio

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  4. Não me parece razoável que um relatório como esse não apresente os prós de tal empreendimento. Fala-se tanto em transparência e, no entanto, apresenta-se somente os pontos negativos, deixando totalmente de lado os pontos positivos. Assim não é possível que todos os leitores possam analisar a questão e formar sua opinião. É necessário sempre comparar os prós e os contras de qualquer empreendimento.
    Realmente parece que houve falhas no processo de licenciamento ambiental dessa usina, mas lendo o comentário anterior do colega Fábio, fico em dúvida se realmente aconteceu o descrito no relatório ou se tiveram fatos novos que superaram os descritos.
    Com relação ao fator de capacidade da usina, não me espanta ser de 45%, uma vez que o fator de capacidade médio das usinas hidrelétricas brasileiras é de 50% e que esse projeto teve que se adequar às reivindicações ambientais.
    Por fim, para pensarmos: não há que se imaginar que a energia que o Brasil precisa virá de fontes eólicas ou solares, ou talvez, partiremos de vez, para as usinas termelétricas...

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  5. Concordo com os colegas Fábio e Estefânia quando afirmam que o Relatório deixou a desejar por não comparar os riscos de Belo Monte com os riscos de outros projetos alternativos, bem como deveriam ser destacados os pontos positivos de Belo monte. Por outro lado, concordo com o Marcos e com o Márcio quando afirmam existirem interesses políticos e partidários que passam por cima da legislação e da opinião pública. Deve haver mais transparência na condução de todas as etapas dos projetos, permitindo, assim, a participação popular. A verdadeira democracia se constrói a partir do emporamento da sociedade e seu engajamento nas decisões importantes e que afetem o meio ambiente. O Brasil precisa da energia elétrica para impulsionar o desenvolvimento econômico, Contudo, esse desenvolvimento não pode ser realizado às custas de ribeirinhos e indigenas, nem tampouco das espécies animais e vegetais pertencentes ao ecossistema atingido. Todos os riscos devem ser levados em consideração, e os condicionantes ambientais devem ser obedecidos para que os riscos, que sempre existirão, possam ser mitigados.

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  6. Os comentários dos colegas retratam parte da polêmica gerada pelo empreendimento. Sem dúvida, devido a sua dimensão, existem vários elementos que deixam dúvidas. O documento apesar de somente apresentar falhas e possíveis erros ligados ao empreendimento traz um alerta principalmente para a sociedade que desconhece o assunto e que não está diretamente envolvida com o projeto, sendo um forte instrumento para os debates acerca do tema.

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  7. Aos colegas que criticam o estudo do Amigos da Terra por não comparar Belo Monte com projetos alternativos, aqui está uma explicação simples: cada estudo estabelece um objetivo; no caso em apreço, o objetivo do estudo foi realizar avaliação de risco financeiro do empreendimento Belo Monte e não compará-lo a propostas alternativas de geração de energia.
    Sempre que analisamos criticamente um trabalho científico essa análise é centrada na metodologia e nos objetivos estabelecidos pelo autor. Todo estudo científico é definido e limitado pelo autor. Se não compreendermos isto nossa análise sai do contexto científico.

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  8. Márcio, não sei se exagerei, mas minhas críticas foram justamente no sentido de tentar mostrar porque entendo que esse relatório não cumpre o objetivo proposto. Se havia a intenção de alertar empreendedores e investidores sobre riscos porventura não contabilizados, isso não foi feito. Veja só: em primeiro lugar, a análise das ONGs foi apenas qualitativa, já os investidores fazem uma análise quantitativa e comparativa. Eles convertem o risco em remuneração e comparam esses valores com remuneração e riscos de outros investimentos para escolher onde vão colocar seu dinheiro. Segundo, as ONGs não usaram a linguagem que os investidores entendem. Por exemplo, não usaram ferramentas matemáticas como o CAPM e conceitos financeiros como WACC, TIR e VPL, que são os instrumentos de análise usados pelos investidores. Terceiro: uma série de riscos apontados pelo relatório já são de notório conhecimento pelos empreendedores. A Eletrobrás e a Eletronorte, por exemplo, que estudam o projeto há mais de 30 anos e certamente não vão descobrir qualquer fato novo nesse relatório. Quarto: o relatório aponta riscos que simplesmente não existem. Veja por exemplo o caso da variação de energia ao longo do ano: isso não representa risco, pois a variação é mitigada pelas regras de comercialização da CCEE. As usinas são remuneradas de acordo com sua energia assegurada, que é previamente calculada, e as variações são realocadas pelo MRE (mecanismo de realocação de energia). Além disso são empregados os mecanismos de sazonalização e modulação, que estimam previamente as variações da geração mês a mês e hora a hora. Por fim, ao desconsiderar mecanismos tão conhecidos pelos agentes do setor, as ONGs desprezaram (seria por desconhecimento ou não?) o funcionamento básico do mercado de comercialização de energia elétrica, o que reduz a credibilidade do relatório. Bem, acho que teremos mais oportunidades de discutir o assunto com mais detalhes quando chegar a apresentação sobre riscos financeiros para bancos e financiadores. É isso aí. Acho que esse debate é importante e saudável para todos. Abraço!

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