Tuesday, March 23, 2010

ANA - entrevista com Prof. Benedito Braga, USP - diretor da ANA 2009

V

O diretor da ANA Benedito Braga avisa que a maioria dos municípios brasileiros não

tem Defesa Civil organizada. Em época de fortes chuvas e cheias no Norte e no Nor-

deste, a situação desses municípios preocupa. Segundo Braga, em maio as chuvas

nessas regiões foram as mais intensas em 60 anos, mas há indícios de que resulta-

ram de ciclos naturais e não de mudanças climáticas.

ÁguasBrasil – Este ano tem havido um grande número de cheias no Norte e no Nor-

deste. Isso é resultado de mudanças no clima?

Benedito Braga As chuvas que ocorreram de março a maio nessas regiões são exces-

sivas; entretanto, não há nenhuma evidência de que isso seja resultado de mudanças

climáticas. No Nordeste, as chuvas ocorrem em períodos muito curtos e são intensas e

depois há grandes períodos de estiagem, o que caracteriza a seca. Então, essa é uma si-

tuação de excepcionalidade dentro da normalidade do sistema da região. Essas chuvas

intensas ocorrem, em média, a cada 50 ou 60 anos.

AB – É possível medir a intensidade do aumento das chuvas nessas regiões?

BB A informação que temos é que as chuvas de maio foram as maiores dos últimos 60

anos. Por isso, pode ser um ciclo da natureza. Mas em 1985 ocorreram chuvas no mês de

março que foram maiores do que as de março deste ano. Então, não dá para atribuir a

uma eventual mudança de clima.

AB – Os estados e os municípios estão preparados para o trabalho de prevenção de

cheias e apoio às populações?

BB – Menos de 2% das Comissões Municipais de Defesa Civil – Comdec estão operativas. No

Brasil, só os grandes municípios estão preparados. A maioria dos mais de 5 mil municípios não

tem Defesa Civil. Com isso, apesar de esse ser um trabalho do município, quem acaba agindo

é a Defesa Civil Nacional. Há ainda um componente cultural nesse contexto: nossa cultura não

é a de se antecipar, mas de colocar a tranca na porta depois de a casa ser arrombada. Os mu-

nicípios não estão trabalhando para fazer o zoneamento da cidade e o mapeamento de áreas

e probabilidades de extravasamento. Há situações em que toda a cidade está na planície de

inundação. Isso é muito preocupante.

AB – Como a urbanização das cidades influencia as cheias?

BB – Com a impermeabilização do solo, a vazão aumenta e, com isso, ocorre o extra-

vazamento dos rios. No passado trabalhamos para aumentar a capacidade dos rios jo-

gando água para frente e transferindo o problema de um lugar para outro. A tendência

moderna é trabalhar para infiltrar mais água no solo, ter mecanismos de retenção, os

famosos “piscinões”. Essa é uma mudança necessária na gestão urbana da água.

AB – O que pode ser feito para evitar o rompimento de barragens, como aconteceu

em maio no Piauí?

BB – O Departamento Nacional de Obras contra as Secas – Dnocs tem mais de 300

barragens construídas e há problemas de manutenção, readaptação e envelhecimento.

A ANA está trabalhando para que haja inspeção e manutenção preventiva. Já pedimos

aos estados e ao Dnocs que informem quais as barragens sob suas responsabilidades

que estão com problemas mais iminentes. De posse disso, vamos tentar obter recursos

para ajudar a aumentar a manutenção.

AB – Qual é o papel da ANA com relação às cheias?

BB – A ANA tem que trabalhar os eventos críticos, mas seu mandato não vai além do

apoio. A Agência não pode impor a uma municipalidade que não construa em determi-

nado lugar. A Agência deve informar sobre boas práticas e articular acordos para pro-

mover a gestão das inundações. É o caso do rio Paraíba do Sul, onde temos trabalhado

em articulação com São Paulo, Minas e Rio por um plano de monitoramento dos rios da

bacia, de previsão e de logística de alerta. A ANA junta os estados para discutir projetos

e ações necessários para minimizar os potenciais danos, mas não tem mandato para ir

lá e construir um canal, por exemplo. Outro ponto muito importante é a rede de moni-

toramento hidrometeorológico. Com os dados obtidos por meio da rede, a ANA aciona

as instituições responsáveis, começando pela Defesa Civil, ao detectar eventos críticos.

“Muitos problemas em regiões urbanas resultam do

entupimento de bocas de lobo por resíduos sólidos, da construção de vias de tráfego

em locais inadequados e de habitações em beira de córregos. É uma questão de

planejamento urbano.”





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