O livro tem o objetivo de fornecer de forma didática, em oito capítulos, um panorama geral da questão social e ambiental, que conforme é discutido está na contramão do pensamento ecológico mais consagrado. São tratados os princípios que norteiam a atuação das organizações e dos movimentos sociais, das principais estratégias de luta e resistência, do diagnóstico que se faz acerca das causas da injustiça ambiental, bem como as trajetórias de experiências concretas de luta. Refletem sobre as experiências concretas verificadas no Brasil, em particular aquelas desenvolvidas junto a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, já abordadas no livro de Porto. Esperam com o livro contribuir para um maior entendimento e para uma maior divulgação da perspectiva da justiça ambiental, as experiências de movimentos sociais cruciais na busca de alternativas aos modelos de desenvolvimento excludente, que concentram em poucas mãos o poder sobre os recursos ambientais do país.
Os autores abordam que a degradação ambiental é um dos grandes males que acometem as sociedades contemporâneas, no qual as manchetes dos jornais trazem advertências sobre o efeito estufa e as mudanças climáticas globais, difundindo a idéia de que estamos todos igualmente sujeitos aos efeitos nocivos de uma crise ambiental. Assume assim que todos são vitimas em potencial porque estão em um mesmo planeta. A chamada crise ecológica é entendida como global, generalizada, atingindo a todos de maneira indistinta. Assim o meio ambiente é percebido como naturalmente escasso, uno e homogêneo. Os seres humanos, indiferenciados, seriam os responsáveis pelo processo de destruição das formas naturais, do ambiente e da vida. No entanto como relatado no Memorando Summer citado na introdução do livro os danos ambientais são destinados aos países, regiões e grupos sociais mais pobres. O termo modernização ecológica ficou conhecida por designar uma série de estratégias de cunho neoliberal para o enfrentamento do impasse ecológico sem considerar sua articulação com a questão da desigualdade social. A concentração dos benefícios do desenvolvimento nas mãos de poucos, bem como a destinação desproporcional dos riscos ambientais para os mais pobres e para os grupos étnicos mais despossuídos, permanece ausente da pauta de discussão dos governos e das grandes corporações.
Henri Acselrad et al abordam que contra o pensamento dominante, que considera democrática a distribuição dos riscos ambientais surgem os movimentos por justiça ambiental, com uma nova definição da questão ambiental, que incorporasse suas articulações com as lutas por justiça social, necessidade sentida por movimentos populares de base que se viram em situações concretas de enfrentamento do que entenderam ser uma proteção ambiental desigual. A partir da década de 1980, nos EUA, uma série de lutas que articularam a questão ambiental com a da desigualdade social foram capazes de impulsionar uma reflexão e a uma mobilização social mais abrangentes, que extrapolavam os limites das experiências anteriores, localizadas e específicas, impulsionando uma reflexão geral sobre as relações entre risco ambiental, pobreza e etnicidade. Vários são os princípios e estratégias que tem orientado a constituição das redes de justiça ambiental. Um dos principais desafios do Movimento tem sido o de alterar a cultura das entidades públicas responsáveis pela intervenção estatal sobre o meio ambiente que se caracterizam por terem um padrão de intervenção tecnicista, pouco sensível às variáveis sociais e culturais do gerenciamento do risco ambiental. A Rede Brasileira de Justiça Ambiental estabeleceu como um de seus objetivos principais o desenvolvimento de metodologias de avaliação de equidade ambiental como alternativas aos métodos tradicionais, como os EIAs/RIMAs, no qual considerou tais métodos incapazes de retratar a injustiça ambiental contida em determinados projetos, servindo, implicitamente, à legitimação de ações e impactos inaceitáveis, se consideradas as dimensões socioculturais. Observou-se no Brasil a multiplicação do número de estudos destinados a verificar a pertinência e a oferecer uma base empírica às denúncias da vigência de desigualdade ambiental em nosso país. O IBGE deu uma importante contribuição por ocasião da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, ao medir, entre outras variáveis, a distribuição da oferta de saneamento básico também pela variável cor. Com os resultados encontrados, pode-se constatar que a raça, no Brasil, também se constitui numa variável importante em termos de distribuição da desproteção ambiental. No livro são reproduzidos vários indicadores que colocam objetivamente em dúvida o senso comum segunda a qual a degradação do meio ambiente afeta a todos indiferentemente. No entanto constata-se que a produção de indicadores está muito aquém do que poderia ser, pois os dados ainda estão muito concentrados nos riscos associados a deslizamento de encostas, soterramentos, saneamento básico, alocação de empresas poluentes e resíduos tóxicos, cujos indicadores ainda são incipientes no Brasil.
Os autores relatam que a desigualdade ambiental pode manifestar-se tanto sob a forma de proteção ambiental desigual como de acesso desigual aos recursos ambientais. A proteção ambiental é desigual quando a implementação de políticas ambientais, ou a omissão de tais políticas ante a ação das forças de mercado, que geram riscos ambientais desproporcionais, intencionais ou não, para os mais carentes de recursos financeiros e políticos. Esses efeitos desiguais ocorrem através de múltiplos processos privados de decisão, de programas governamentais e de ações regulatórias de agências públicas. Já o acesso desigual aos recursos ambientais se manifesta tanto na esfera da produção, no diz respeito aos recursos do território, como na esfera do consumo, com os recursos naturais já transformados em bens manufaturados.
Os autores apontam quatro causas da proteção ambiental desigual: O mercado; Políticas; Desinformação; Neutralização da crítica potencial. Existe ainda estratégias de negação da injustiça ambiental e de justificativa da desigualdade ambiental, no qual esforços argumentativos empenham-se em obscurecer qualquer referencia às evidencias gritantes da desigualdade distributiva no acesso e uso dos recursos naturais do planeta, à concentração dos riscos ambiental sobre os mais despossuídos.
Para os autores a noção de justiça ambiental implica o direito a um meio ambiente seguro, sadio e produtivo para todos, onde o meio ambiente é considerado em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em que tal direito pode ser livremente exercido, preservando, respeitando e realizando plenamente as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a autonomia das comunidades. Também por outro lado, afirmam o direito de todo trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, sem que ele seja forçado a escolher entre uma vida sob risco e o desemprego. Afirmam o direito dos moradores de estarem livres, em suas casas, dos perigos ambientais provenientes das ações físico-químicas das atividades produtivas.
O livro traz uma visão geral das condições e causas da injustiça ambiental no mundo e no Brasil, no qual a desigualdade social e de poder está na raiz da degradação ambiental, portanto não se pode enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça social. Um dos motivos pelo qual o Brasil tem batido recordes em desigualdade social está pelo fato da concentração de renda e também de espaços e recursos ambientais estarem nas mãos de poucos, dos mais poderosos.
Por Marineide Sousa.
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