V
O diretor da ANA Benedito Braga avisa que a maioria dos municípios brasileiros não
tem Defesa Civil organizada. Em época de fortes chuvas e cheias no Norte e no Nor-
deste, a situação desses municípios preocupa. Segundo Braga, em maio as chuvas
nessas regiões foram as mais intensas em 60 anos, mas há indícios de que resulta-
ram de ciclos naturais e não de mudanças climáticas.
ÁguasBrasil – Este ano tem havido um grande número de cheias no Norte e no Nor-
deste. Isso é resultado de mudanças no clima?
Benedito Braga – As chuvas que ocorreram de março a maio nessas regiões são exces-
sivas; entretanto, não há nenhuma evidência de que isso seja resultado de mudanças
climáticas. No Nordeste, as chuvas ocorrem em períodos muito curtos e são intensas e
depois há grandes períodos de estiagem, o que caracteriza a seca. Então, essa é uma si-
tuação de excepcionalidade dentro da normalidade do sistema da região. Essas chuvas
intensas ocorrem, em média, a cada 50 ou 60 anos.
AB – É possível medir a intensidade do aumento das chuvas nessas regiões?
BB – A informação que temos é que as chuvas de maio foram as maiores dos últimos 60
anos. Por isso, pode ser um ciclo da natureza. Mas em 1985 ocorreram chuvas no mês de
março que foram maiores do que as de março deste ano. Então, não dá para atribuir a
uma eventual mudança de clima.
AB – Os estados e os municípios estão preparados para o trabalho de prevenção de
cheias e apoio às populações?
BB – Menos de 2% das Comissões Municipais de Defesa Civil – Comdec estão operativas. No
Brasil, só os grandes municípios estão preparados. A maioria dos mais de 5 mil municípios não
tem Defesa Civil. Com isso, apesar de esse ser um trabalho do município, quem acaba agindo
é a Defesa Civil Nacional. Há ainda um componente cultural nesse contexto: nossa cultura não
é a de se antecipar, mas de colocar a tranca na porta depois de a casa ser arrombada. Os mu-
nicípios não estão trabalhando para fazer o zoneamento da cidade e o mapeamento de áreas
e probabilidades de extravasamento. Há situações em que toda a cidade está na planície de
inundação. Isso é muito preocupante.
AB – Como a urbanização das cidades influencia as cheias?
BB – Com a impermeabilização do solo, a vazão aumenta e, com isso, ocorre o extra-
vazamento dos rios. No passado trabalhamos para aumentar a capacidade dos rios jo-
gando água para frente e transferindo o problema de um lugar para outro. A tendência
moderna é trabalhar para infiltrar mais água no solo, ter mecanismos de retenção, os
famosos “piscinões”. Essa é uma mudança necessária na gestão urbana da água.
AB – O que pode ser feito para evitar o rompimento de barragens, como aconteceu
em maio no Piauí?
BB – O Departamento Nacional de Obras contra as Secas – Dnocs tem mais de 300
barragens construídas e há problemas de manutenção, readaptação e envelhecimento.
A ANA está trabalhando para que haja inspeção e manutenção preventiva. Já pedimos
aos estados e ao Dnocs que informem quais as barragens sob suas responsabilidades
que estão com problemas mais iminentes. De posse disso, vamos tentar obter recursos
para ajudar a aumentar a manutenção.
AB – Qual é o papel da ANA com relação às cheias?
BB – A ANA tem que trabalhar os eventos críticos, mas seu mandato não vai além do
apoio. A Agência não pode impor a uma municipalidade que não construa em determi-
nado lugar. A Agência deve informar sobre boas práticas e articular acordos para pro-
mover a gestão das inundações. É o caso do rio Paraíba do Sul, onde temos trabalhado
em articulação com São Paulo, Minas e Rio por um plano de monitoramento dos rios da
bacia, de previsão e de logística de alerta. A ANA junta os estados para discutir projetos
e ações necessários para minimizar os potenciais danos, mas não tem mandato para ir
lá e construir um canal, por exemplo. Outro ponto muito importante é a rede de moni-
toramento hidrometeorológico. Com os dados obtidos por meio da rede, a ANA aciona
as instituições responsáveis, começando pela Defesa Civil, ao detectar eventos críticos.
“Muitos problemas em regiões urbanas resultam do
entupimento de bocas de lobo por resíduos sólidos, da construção de vias de tráfego
em locais inadequados e de habitações em beira de córregos. É uma questão de
planejamento urbano.”
No comments:
Post a Comment