Na realidade, sempre pensamos na água como um bem infinito e renovável, não é mesmo?
Chove, a água que cai vai para as nascentes, para os veios dagua, e o que escorre vira riachos, córregos e rios, lagos que descem incessantemente para o mar. Esse ciclo hídrico é infinito e sempre renova a água.
Ao mesmo tempo a água é um bem escasso, pois sua distribuição não é homogenia nos continentes. A água doce é um bem tão precioso em algumas regiões áridas e semiáridas onde o nível de precipitação é muita baixo que governos, sociedade civil e indústrias organizam órgãos gestores que valorizam grandemente a água de nascentes e de rios, criando-se grandes estruturas como barragens, canais e dutos que levam águas de um lugar bem didtante até os lugares de consumo onde seus recursos hídricos já foram completamente alocados. Para estas regiões do mundo onde os recursos hídricos no meio urbano e agricultura são preciosos e caros, a água que desce ao mar é um grande desperdício econômico e social, transformando a paisagem dos rios que banham estas regiões semiáridas e áridas: as águas que inundavam deltas hoje estão nos canos e canais de irrigação e abastecimento urbano de cidades; assim os leitos de rios antes caudalosos e lagoas marginais em piscosos deltas estão secos e sem vida aquática antes de tocarem no mar, como no Rio Colorado e no Rio Nilo.
Mas graças a Deus, no DF, o clima ainda não mudou a média de precipitação, que continua muito acima da de uma região semiárida. Porém, já estamos sentido o stress hídrico, um problema mundial que traz consigo conflitos (water wars) sociais, ambientais, políticos e econômicos. Estes conflitos tem sido bem estudados nos grandes centros urbanos no mundo todo. E o problema se agrava quando o consumo urbano começa a competir com outros usos hídricos tais como agricultura, produção de energia, pesca tradicional e uso ecológico e recreativo. Quando fiz meu doutorado sobre o Rio São Francisco tive a chance de estudar conflitos sobre água (Water Wars) no mundo e no Brasil e como a construção de infraestruturas para segurança hídrica, como canais e barragens entram mais especificamente em conflitos com comunidades tradicionais que vivem do rio, como a pesca artesanal. É um problema de governança: poder, interesse e acesso às informações, aos recursos financeiros, aos canais políticos, que envolvem meios lícitos e ilícitos, corrupção e interesse político e econômico, e, por fim, de meio de vida dos grupos envolvidos. E ao mesmo tempo é um problema de ética e percepção ambiental, pois como vimos acima, o valor de um delta cheio dágua, de sua riqueza de fauna e flora aquática não convence aos investidores e lobbies de grande infraestrutura hídrica para consumo de centros urbanos e megalopolis. O serviço do meio ambiente aquático intacto não paga o valor da água que sai da torneira.
Mesmo que estes problemas possam ser resolvidos pacificamente através de um sistema participativo nos comitês gestores e agências de águas, o que se vê é que muitas vezes o peixe pequeno sempre cai na rede dos interesses dos grandes peixes, dos grandes usuários de água. E as cidades, depositárias destes grandes usuários, são poderosos conglomerados de grandes peixes que conseguem representar interesses difusos por recursos hídricos. As cidades e suas estratégias para garantir segurança hídrica às vezes podem causar mais ameaças de desasbatecimento ao meio ambiente e a outras regiões com baixa densidade habitacional, caso não haja uma vontade política e economica e ambiental capaz de defender os interesses dos pequenos peixes, uma visão holística do uso das águas dentro de uma bacia, com seus múltipos usuários. Um grande exemplo disso é o Owen's Valley, antes um vale de rio piscoso na California que virou pó para garantir o abastecimento de Los Angeles. Os moradores, pequenos proprietários de chácaras e sítios, perderam o direito ao uso da água neste vale numa batalha judicial que deu à cidade de Los Angeles o direito de uso do rio e das nascentes, direito compradas a preço de banana, graças a manobras politicas, movidas por corrupção e propinas, indefinidamente na deçada de 1930-40. E é assim até hoje. Atualmente, este conflito seria enquadrado num problema de justiça ambiental, pois há um desbalanço de poder, acesso a recursos e de distribuição dos custos/beneficios ambientais nestas transações sobre quem fica com o direito sobre o uso da água. Aqui o peixe grande ganhou a batalha, deixando um desastre ambientla e social atrás dele.
O risco da potencial diminuição da oferta hídrica na região urbana sem dúvida exige maiores investimentos aos cofres público: construção de aquedutos, barragens, investimentos em manuentnção de dutos e tubulações, bombas etc para trazer água de mais fontes ainda não desenvolvidas, e proteção de áreas de mananciais e nascentes para futuras captações. Quem no final paga por estes investimentos: todos nós através dos impostos cobrados dos contribuintes (IPTU, etc) e no valor da tarifa de água (ver matéria do Correio Braziliense dia 21/02/11). Mas seria somente este o preço pago?
Mas imaginem que se o governo tivesse investido em toda possível infraestrutura que garantisse a oferta de água no DF para os próximos dez anos. E que isso implicasse inclusive na compra do direito de retirada de água de poços e nascentes por pequenos chacareiros em áreas rurais, como aqui no Urubu, no Palha etc. O córrego do urubu ficaria seco como Owens Valley? Toda nossa água encanada indo direto para as torneiras das Superquadras e novos condomínios no Noroeste e Taquaris?
Mesmo assim ficariamos de braços cruzados esperando dez anos para mudar o caminhos já conhecido das guerras de água, ou até mudar nossos hábitos de consumo?
Qual é o papel do consumidor, seja ele quem for, rural, ou urbano, industrial ou público, para diminuir a media percapita diária de demanda hídrica no DF de 100 litros diários, para 50 litros ou até 30 litros e até menos com melhores tecnologias de uso de água em nossas casas?
Renata
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